A taxa de inclusão das mulheres na investigação biomédica da ainda é baixa, por isso que muitos remédios sejam desenvolvidos a partir de ensaios clínicos, em sua maioria do sexo masculino. Esta disparidade traz riscos para a saúde da mulher em razão das diferenças genéticas, bioquímicas e fisiológicas entre os sexos.
Apesar da representatividade feminina nestes estudos clínicos têm aumentado nas últimas décadas, chegando a 43% em 2016, algumas áreas da medicina ter avançado pouco.
A pesquisa publicada no ano passado no Journal of American College of Cardiology revelou que, dos ensaios clínicos que levaram à aprovação de 36 terapias cardiovasculares, apenas um terço dos 224.417 participantes era de mulheres.
O cenário já foi muito pior. O estudo, em 1989, chegou-se à conclusão de que tomar baixas doses diárias de aspirina pode reduzir o risco de doença cardíaca envolveu 22 mil homens e nenhuma mulher.
A disparidade ocorre em investigação de drogas para melhorar a sexualidade feminina. A investigação sobre as interações entre a flibanserina (conhecida como “Viagra feminino”, por, supostamente, aumentar a libido e o álcool contou apenas com duas mulheres entre os 25 participantes.
Vários trabalhos têm alertado a subrepresentatividade das mulheres em todas as fases da pesquisa. A revista científica The Lancet, dedicou recentemente uma edição completa das questões de gênero na ciência e na medicina.
De acordo com o levantamento, que analisou mais de 11,5 milhões de artigos de investigação médica publicados entre 1980 e o ano de 2016, a diferença ainda é grande em ciência básica, com mais de dois terços das pesquisas biomédicas ignorando as diferenças entre homens e mulheres e de não informar sobre o sexo, de linhagens de células utilizadas nos experimentos, geralmente do sexo masculino.
Na pesquisa experimental, 80% dos animais avaliados são machos, de acordo com uma nova revisão de 2.300 ensaios pré-clínicos. “Quando vemos as mulheres por meio de lentes masculinas, corremos o perigo de perder o que você pode estar no cerne da questão para as mulheres”, diz o neurocientista Rebecca Shansky, que publicou um artigo sobre o assunto na última semana na revista Science.
Segundo ela, uma das principais razões para a preferência por animais machos é a crença de que os hormônios ovarianos tornariam os dados femininos mais variáveis.
Mas a própria ciência tem derrubado esses mitos. Em 2014, uma meta-análise de artigos na área da neurociência revelou que os dados de ratos fêmeas, independentemente do ciclo estral (equivalente ao ciclo menstrual da mulher), não variam mais do que os machos.
Em alguns casos, inclusive, os dados masculinos tinham mais variações. Entre os machos, alojados em grupos, os dominantes apresentavam os níveis de testosterona, em média, cinco vezes mais altos que os dos subordinados. O mesmo não ocorreu com as fêmeas.
Na investigação clínica, os argumentos são semelhantes: seria muito mais fácil projetar e realizar estudos compostos por homens, já que, ao contrário das mulheres, eles não estariam sujeitos a freqüentes mudanças hormonais.
Natalie Mager, professora em Ohio Northern University (EUA) e co-autora de um artigo sobre as mulheres nos ensaios clínicos, a exclusão das mulheres se deve, principalmente, ao desconhecimento sobre as diferenças biológicas entre os sexos. “Pensava-Se que os dados dos homens poderiam ser aplicados às mulheres.”
Outra razão é o medo que as mulheres engravidem durante os estudos e as drogas possam ser tóxicas para o feto.
Depois da talidomida ter sido associada ao nascimento de milhares de bebês com defeitos de nascimento nos anos 1950 e 1960, a FDA (agência que regula os medicamentos nos EUA) publicou diretrizes recomendar a exclusão das mulheres com potencial de engravidar” as fases de ensaios clínicos. Isso, no entanto, foi aplicado a todas as fases.
Em cardiologia, essas diferenças podem representar um grande problema de saúde pública. A doença cardiovascular é responsável por um terço de todas as mortes no Brasil, com uma proporção semelhante entre homens e mulheres (após a menopausa).
“Como eu posso estar seguro se esta droga [testado em homens] pode ser usada para tratar meus pacientes? Isso vale para os anti-hipertensivos, para as drogas que tratam a insuficiência cardíaca, o infarto. Não há evidência científica”, diz o cardiologista gláucia Moraes de Oliveira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O cardiologista Carisi Polanczyk, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que há diferenças no modo como os homens e as mulheres absorver, metabolizar e excretam as drogas, afetando a forma como respondem aos medicamentos.
“Os homens e as mulheres diferem em termos de peso e gordura corporal, mas ainda há poucos medicamentos que são medidos de forma diferente com base no sexo”, diz Polanczyk, que falou sobre essa disparidade no simpósio da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), em João Pessoa (PB).
Na prática clínica, isso se traduz em um desafio diário. “Muitas vezes eu não posso alcançar o benefício com a mesma dose. Aí eu vou ‘teste’ naquela paciente, fazendo associações que não estão em nenhum guia de consulta [guia]”, conta gláucia de Oliveira.
Em alguns casos, essas diferenças de respostas levaram a mudanças no uso da droga quando ela já estava no mercado. Em 2013, a FDA cortou pela metade a dose de as mulheres de um soporífero (Sábado), depois de descobrir que o organismo delas demorava mais do que o dobro da dos homens, para metabolizá-la.
“Em princípio, a dose era a mesma para ambos, mas os homens se levantavam no dia seguinte bem, e as mulheres ficavam grogue com a mesma dose”, diz Polanczyk.
Entre 1997 e 2001, oito dos dez medicamentos retirados do mercado pela FDA por “riscos inaceitáveis para a saúde”, foram considerados como mais prejudiciais para as mulheres que para os homens.
Nos últimos anos, os NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos estados UNIDOS) começaram a exigir da pesquisa sobre as diferenças sexuais nos ensaios clínicos.
Mas, de acordo com relatórios de acompanhamento do governo norte-americano, ainda é necessário melhorar o design de alguns estudos que apresentavam, de forma clara, se as intervenções afetam as mulheres e os homens de maneira diferente.
No evento da SBC, foi aprovada uma carta para as autoridades públicas que alerta sobre as disparidades de género no doentedai cardiovascular.
“É necessário um olhar especial para as desigualdades, especialmente nesta transição demográfica em que a população de idosos vai triplicar nos próximos 20 anos, e as mulheres viverão muito mais”, diz Marcelo Queiroga, presidente eleito da SBC.
Segundo ele, há diferenças também em sintomas de doenças do coração, como o infarto, o que pode atrasar o diagnóstico e o tratamento, aumentando o risco de morte, se os médicos não estão dispostos a reconhecê-los.
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“O país precisa de traçar ações estratégicas para reduzir a prevalência de fatores de risco, melhorar o diagnóstico e a abordagem terapêutica.”
Cerca de 40% das mulheres que infartam não têm os sintomas típicos dos homens, como a dor forte no peito que irradia para os membros e a mandíbula. As mulheres, especialmente as de baixo, de 65 anos, a dor tende a ser menos intensa e, muitas vezes, surge com sintomas inespecíficos, como náusea e fraqueza.
Os estudos mostram que a insuficiência cardíaca, doença que mata mais de 100 mil pessoas no Brasil todos os anos, há também diferenças nas manifestações e sintomas entre homens e mulheres.
A mulher tende a desenvolver a doença em idades mais avançadas e apresentar falta de ar e choques mais intensos.
Por que as mulheres não estão nos estudos
A situação
A maioria dos ensaios clínicos de novos fármacos se fazem mais homens do que mulheres. Em cardiologia, apenas um terço deles inclui mulheres
A razão alegada
As mudanças hormonais que confundem dados; a mulher pode engravidar durante as provas e a droga causar defeitos congênitos no feto
Resultado
Há a dúvida de se as atuais drogas são tão seguras e eficazes para as mulheres, já que há diferenças genéticas, fisiológicas e bioquímicas entre os sexos
Fonte: Folha de S. Paulo