Desde a sua origem, acelerada pelo processo de privatizações, as agências são um corpo estranho no ambiente político brasileiro
Por certo, há consenso sobre as enormes deficiências existentes no sistema regulatório brasileiro e as fragilidades demonstradas pelas agências criadas a partir do final dos anos 90.
Menos consensual, mas ainda majoritário é o sentimento correto, e que a parte mais visível da crise vem da injustificável partidarização nas indicações dos diretores no processo agravado, sem nenhuma vergonha no Governo de Temer.
Obviamente, as agências não vão recuperar a sua autonomia e eficácia, sem que se altere a forma de indicação e, principalmente, da apreciação dos nomes de seus dirigentes.
O que hoje se conhece como ‘sabatina’ dos indicados é, quase sem exceções, uma aplicação parlamentar da chamada ‘lei Vampeta’: uns fingem que perguntam por que a fama, o outro simula responder com convicção.
Quem tem mais experiência com as práticas do Senado Federal sabe muito bem como isso acontece. Designada a audiência, vêem e ficam na sala poucos senadores, geralmente ligados à indicação por interesse pessoal em nomeação ou por corporativismo. Em ambos os casos, os senadores de que pouco se pode esperar para um debate com autonomia e competência. Também há senadores que simplesmente passam por uma reunião, mesmo sem saber o que foi discutido antes, e sem esperar o que se dirá depois.
No entanto, limitar as sabatinas a principal causa da estagnação das agências será um engano.
Desde a sua origem, acelerada pelo processo de privatizações, as agências reguladoras são um corpo estranho no ambiente político brasileiro. Vale dizer: se implantaram mas, infelizmente, não fazem parte de nossa cultura.
Para os políticos ligados à esquerda, contraditoriamente, as agências são mal vistas, pois, “decorrentes” das privatizações. Na verdade, o que ele defende a presença normativa e executiva do Estado, deve receber o apoio e o poder normativo das agências, essenciais para a correcta prestação dos serviços concedidos à iniciativa privada ou considerados de predominante interesse público.
Para os políticos, e depois de vários espectros, que com o pretexto da eficiência do Executivo no fundo desejam atuar com o mínimo de limites e amarras, parece insuportável que os ministros não podem tudo e as agências têm o poder, inclusive, de regular a ação do próprio governo. A recente tentativa do Ministro da Saúde de Temer em prejuízo da legislação sanitária em suas decisões é um exemplo.
Vem, além disso, os fisiológicos, não importa em que posição política. Para o metabolismo destes, é simplesmente insuportável que cargos, até mesmo nas agências, não podem ser apadrinhados; e que, uma vez nomeados, os apadrinhados não sirvam aos interesses políticos, ou outros ainda piores.
O setor empresarial brasileiro não pode ser excluído da lista dos que prejudicam o meio ambiente das agências. Com as sempre honrosas exceções, o estilo de atuação do setor privado não faz a diferença, com o que a política brasileira tenha pior.
Assim, somados a todos os inimigos de uma boa cultura regulatória, chega-se a foto atual: as agências são intenções rodeadas de graves desafios no Brasil. Algumas inviabilizadas por seu aparelhamento partidário, e outras pela resistência do Executivo, muitas por tentativa de manipulação através de setores regulados.
Sob a lama da rioja, repousam tragicamente as consequências desse cerco às agências. E isso não será resolvido apenas pelos dispositivos legais (a propósito, por que demora tanto a aprovação do projeto sobre as agências?).
As agências reguladoras precisam é de respeito e reconhecimento ao caráter indispensável de sua autonomia e profissionalismo. E isso, como sabemos, exige uma profunda mudança na mentalidade e nos níveis políticos do País.
Até lá é preciso resistir. Por denúncia de qualquer interferência indevida. A pressão por sabatinas verdadeiras. O apoio aos corpos técnicos e agir tecnicamente em cada agência. A atenção e o debate sobre as causas de cada um dos conflitos entre Ministérios e agências. A autonomia administrativa e financeira.
No fim, quase 30 anos depois, estamos apenas no começo.
Fonte: JOTA
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Fonte: panoramafarmaceutico.com.br/2019/04/03/um-novo-começo-para-as-agencias-reguladoras